Por que deveríamos “matar a universidade”

Adam Grant, professor da Wharton, explica o que descobriu durante este ano de educação virtual e híbrida

Se há uma coisa que aprendemos este ano, é que nesse tempo todo deveríamos estar pensando muito mais proativamente na educação, em vez de esperar o surgimento de uma pandemia. É aí que entra em jogo a ideia de um exercício de “matar a universidade”. 

A ideia surgiu de uma consultora, Lisa Bodell, da futurethink. Estávamos trabalhando com uma empresa e a CEO disse: “Não quero ter uma organização repleta de dinossauros. Vamos agitar as coisas.” A ideia dela era assumir a perspectiva da maior concorrente e descobrir como levar a empresa a encerrar as atividades. Ela pediu para os executivos tentarem matar sua própria empresa. 

Eu nunca havia visto um grupo de executivos tão motivado na minha vida. Depois de gerar todas as ideias, elas puderam reconhecer algumas como ameaças reais e outras como oportunidades. Então eles se perguntaram: o que vamos fazer a respeito delas? 

Eu recomendaria o exercício de “matar a universidade” em ambientes acadêmicos pelo menos duas vezes por ano. As pessoas se tornam muito mais criativas quando estão no ataque do que na defesa. Se o desafio fosse salvar a universidade, surgiriam muitas ideias enfadonhas e convencionais. Quando a missão é matá-la, surgem muitas ideias criativas que não apareceriam de outra forma. 

A situação também permite apontar problemas que normalmente você deixaria passar. Você pode admitir que o rei está nu, mesmo que não seja um grande alfaiate. Afinal, esse é o ponto principal. 

Algumas perguntas surgiriam: será que todos nós precisamos estar no local o tempo todo para facilitar a aprendizagem? Precisamos empregar professores? Ou poderíamos desenvolver um consórcio de universidades com talentos compartilhados que pudessem lecionar em todo o mundo? 

Esses tipos de perguntas são instigantes para mim. Especialmente agora depois deste ano de aprendizado virtual e híbrido. Já comecei a pensar em novas maneiras de lecionar e aprender e fiz descobertas e observações que promoveram interações e colaborações significativas neste ambiente remoto.

Palestrantes convidados virtuais geralmente dizem sim

Quando soubemos que adotaríamos o caminho virtual em Wharton, senti muita ansiedade. Meu método é quase exclusivamente baseado em experiências na sala de aula. Os alunos passam um tempo resolvendo problemas e, em seguida, recebem feedback sobre como podem melhorar na negociação ou fazer melhores escolhas como um grupo. Eu sabia que um pouco disso seria perdido. 

Para mim, a resposta imediata foi: palestrantes convidados. Durante anos eu vinha encontrando muita dificuldade para trazer os palestrantes convidados importantes que eu queria para a Filadélfia. Neste ano, porém, todos estão sentados na frente do computador à procura de algo para fazer.

Pedi para meus alunos sugerirem palestrantes, e até agora absolutamente todos eles concordaram em falar com a turma. Já tivemos Mellody Hobson, Sheryl Sandberg, David Chang, Almirante William McRaven… a lista é imensa. Concordar com uma sessão de 30 minutos no Zoom não é tão difícil assim. Foi uma das melhores coisas que já fiz na sala de aula. 

Se eu fosse diretor de uma universidade que quer ir além do modelo centralizado, criaria uma lista de ex-alunos e outros palestrantes que mais quero trazer para a sala de aula, e faria dela uma peça fundamental da experiência. 

A tecnologia pode trazer vozes silenciosas para a conversa

Durante anos, faço todo o possível para ouvir a voz dos meus alunos mais introvertidos soar com mais frequência dentro da sala de aula. Com o Zoom, incentivo os alunos a participar ativamente na janela de bate-papo usando hashtags: #question; #debate para promover uma diversidade real de pensamentos; #aha se você tiver uma descoberta para compartilhar; #onfire se você precisa dizer algo agora mesmo. 

O que é notável é a variedade de perspectivas e a composição. Durante anos na sala de aula, eu chamava quem levantasse a mão. Agora, posso ouvir alunos que estão aprendendo uns com os outros, que podem refletir e formular sua pergunta antes de fazê-la em voz alta. Penso que já tenha passado da hora de esse tipo de inovação acontecer. 

Os alunos pedem o que precisam

Um fato que me surpreendeu foi meus alunos pedirem mais recursos que aprofundassem as matérias que estamos estudando. Até este ano, eu raramente recebia pedidos de artigos extras para ler ou TED Talks para assistir. Agora, estou compilando uma biblioteca para os alunos mergulharem mais profundamente em diferentes áreas das minhas aulas.

Nem todo o aprendizado precisa ser sincronizado

Meu trabalho como psicólogo organizacional é perguntar "o que sabemos a partir dos dados?" Podemos ver como uma tarefa ou projeto é interdependente. Isso pode ser facilmente compreendido com uma metáfora esportiva. 

Algumas atividades ou projetos de aprendizado são como no beisebol: todo mundo tem sua vez de jogar, balançar o taco e correr até as bases. Esse tipo de trabalho pode ser feito de forma assíncrona. Como professor, posso gravar um vídeo, pedir aos alunos que escrevam seus pensamentos e enviá-los de volta. 

A sincronia é indispensável quando estamos fazendo algo que é mais como basquete ou futebol: passando ideias, informações e dados de um lado para outro. 

No futuro, eu diria que faremos tudo o que possa ser feito de forma conjunta para situações assíncronas. Assim, quando nos reunirmos, o tempo será muito bem aproveitado.

A intensidade da comunicação é mais importante do que a frequência

A melhor alternativa para um modelo de universidade centralizada é a maneira como a NASA treina astronautas. Uma das coisas que aprenderam: não é a frequência de comunicação entre as pessoas que desenvolve conexões com a equipe e a cultura. Na verdade, é a intensidade da comunicação que importa. 

Quando reuniram um cosmonauta norte-americano, um italiano e um russo, em vez de criar uma experiência semanal, a NASA juntou os três por 11 dias — eles se perderam no deserto juntos e prepararam refeições juntos. Uma imersão muito profunda.

Aplicando essa experiência ao ambiente universitário, eu poderia reunir um grupo ou classe de alunos concentrados durante um período de tempo — talvez no campus ou em outro local — e realizar uma série de experiências muito pessoais, com momentos estressantes, que façam com que eles se abram e deixem de usar as máscaras que normalmente usam. Depois de experiências assim, podemos aprender bastante com uma perspectiva à distância. 

Isso abriria a porta para o aprendizado a partir de experiências. Se queremos que as pessoas confiem umas nas outras, precisamos que compartilhem experiências intensas em um curto período de tempo. Então, todos podem ser distribuídos geograficamente, mas ainda sentir que estão conectados.  

O semestre de intercâmbio internacional precisa ser repensado

Estamos vivendo em um país cada vez mais polarizado, e meus alunos ficam horrorizados com isso e querem mudá-lo. E agora, com a pandemia, as pessoas estão preocupadas com viagens internacionais. Trata-se de uma oportunidade. A socióloga Arlie Hochschild, autora de Strangers in Their Own Land (Estranhos em sua própria terra, em tradução livre), sugeriu um intercâmbio dentro do próprio país. E se fizéssemos parcerias entre universidades das costas do litoral e as do Centro-Oeste ou do Sul e enviássemos alunos para um estado diferente ou outra parte do país em vez de um semestre no exterior?

Universidades podem melhorar a conexão com os alunos

Como psicólogo, sei que os alunos criam conexões e se sentem motivados na sala de aula em grande parte também por sentirem que têm interesses em comum com seus colegas de classe. Mas os pontos comuns básicos não são suficientes — esses interesses, origens e valores compartilhados precisam ser raros. 

Um exemplo: imagine que você está em sua cidade natal e encontra alguém que também seja da sua cidade natal. Esse ponto em comum não carrega importância; é esperado, não há nada de especial nele. Mas se você encontra a mesma pessoa em outro país, vocês seriam melhores amigos instantaneamente. Afinal, nessa situação, esse ponto em comum torna-se uma raridade. 

Pesquisas demonstram que os alunos universitários de primeira geração muitas vezes se sentem despreparados para os desafios e dificuldades da vida acadêmica. Mas se você cria uma oficina para que eles possam ouvir histórias de veteranos que também sejam da primeira geração, perceberão que outras pessoas também passam pelos mesmos problemas que eles. Eles verão que não há problema em reconhecer que não sabem de algo ou em procurar os professores depois da aula para resolver dúvidas. Isso ajuda muito a melhorar notas, desempenho e retenção. 

Então, se nos afastarmos do modelo centralizado, eu diria que parte do trabalho da universidade é reunir pequenos grupos de pessoas que têm algumas coisas em comum que sejam raras. Pense em grupos em situação de risco, que têm uma experiência ou história compartilhada, e construa essas pontes. Isso ajudará todos a encontrarem sucesso e pertencimento. 

Matar a universidade pode resultar em algo melhor

Ainda não sabemos o que uma geração verdadeira de nômades digitais que tiveram uma experiência de aprendizagem totalmente virtual desejará no futuro. Acho que o modelo tradicional de sala de aula será desejado por todos nós em algum momento, mas não quero impor minhas próprias preferências a uma geração com uma experiência de ensino realmente diferente.

Reduzir os atritos tecnológicos ajudará muito. Ouvir as pessoas rindo durante uma aula pelo Zoom melhoraria muito meu trabalho como professor ou palestrante. Também somos programados para desenvolver a confiança presencialmente, e essas imagens em pseudo-3D não produzem o mesmo efeito. 

Outra ideia: sabemos que as pessoas não criam vínculos em salas com 200 ou 300 alunos; elas criam vínculos em salas com 5, 10, 50 alunos. Então, talvez possamos criar mais grupos menores com experiências em comum, em vez de uma sala de formandos enorme e sem sentido onde você não conhece a maioria das pessoas. 

Pense em reconstruir em vez de recriar o que já tínhamos.

Adam Grant é psicólogo organizacional e palestrante do TED, que ajuda as pessoas a encontrar significado e motivação no trabalho. Ele é autor de Think Again: The Power of Knowing What You Don’t Know (Pense duas vezes: o poder de saber o que você não sabe, em tradução livre) (fevereiro de 2021) e professor de Psicologia na Wharton School da Universidade da Pensilvânia. 

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